P'ra sempre

Nasceste num dia de assunção e desde aí que ficou o teu destino traçado. De como cresceste eu não tenho forma de lembrar, mas sei que me ajudaste a mim a crescer e a ser uma pessoa melhor. Também tu nasceste para crescer, para subir sempre mais alto. Não sabias ser de outra forma, querias sempre ser melhor, fazer o melhor, superares-te a ti própria. Foste sempre, sempre assim. Foste assim enquanto estudaste, foste assim enquanto ensinaste. Foste assim enquanto deste Deus a conhecer.

Foste assim enquanto cantaste. Ai tia, como eu gostava de ouvir-te cantar! Até nisso tu tinhas de ser grande. Não foi o que tu escolheste, mas essa casa maior a que chamam palco é que devia ter sido o teu lar. Quem te ouviu sabe bem a paixão que tinhas por cada nota, por cada palavra abençoada. Poucos são os que me arrepiam, mas um deles arrepiava-me deveras. Arrepiava-me porque eu não sabia como era possível uma pessoa tão simples e tão boa ter tanto poder na voz. Hoje acho que conheço o segredo desse alguém: o poder não estava na voz, estava no coração. Sabes de quem falo, não sabes?

Preferiste ser anónima, mas não conseguiste. Tantos são os que te conhecem, os que te admiram, os que são consumidos pela saudade da tua gargalhada. São muitos os que sentem falta da tua voz de comando, da tua mania de pores tudo a correr pelo melhor. São tantos os que te amam, tia, tantos que tu nem devias saber que tanto amor te estava destinado. Não há insubstituíveis, dizem. Como se atrevem? Saberão eles do vazio que nos deixaste? Que me deixaste?

Eu sei que estás comigo. Afinal estiveste sempre, mesmo quando eu pensava que não me entendias, que criticavas tudo o que eu fazia. Mas eu sei que gostavas de mim. Eu sei que gostas muito de mim. Sei que gostavas que dissessem que eu era parecida contigo. E eu sei que sou porque só assim se justificam os nossos longínquos choques, mas também os nossos passeios, as nossas brincadeiras. Caramba, também aqui eles se enganam! Se algum dia eu conseguir ser uma ínfima parte do que tu és vou encher-me de orgulho. E quero que te orgulhes de mim, tia. Quero porque a tua opinião sempre contou para mim, porque agora a minha vida tem uma razão diferente.

Ai tia, tenho tanto para te dizer, tanto para te perguntar... Ainda não consigo entender como é que vou passar sem ti. Por que é que te foste tão cedo? Que vontade maior foi essa que se opôs ao desejo sentido de tantos? Ainda me falta viver tanto e tu não vais estar cá para me aplaudir ou puxar as orelhas. Sim, já sei, eu sei que estás sempre comigo... mas ao mesmo tempo não estás e essa dualidade é cruel, é injusta, é mais do que eu posso suportar. Como vês, os teus genes-coragem não me acompanharam, mas se prometeres que me vais proteger daí do céu, eu não vou ter mais medo. Vou sofrer, porque ainda não sei o que é a vida sem ti, sem as tuas entradas barulhentas em casa, sem te ouvir a cantar no alto das escadas, sem as nossas discussões azedas e a nossa aliança inquebrável. Vou sofrer, mas prometo que não vou ter medo.

E nunca me vou esquecer de ti. Vou lembrar-me sempre de ti, dos teus ensinamentos. Não posso esquecer-me de ti porque ao fazê-lo esquecer-me-ia também de mim, tal foi a marca que deixaste naquilo que sou. Gosto muito de ti, de uma forma única e sincera, de coração aberto e agora ferido. Gosto de ti sempre que acordo, sempre que canto, sempre que passo por onde antes passámos as duas. Gosto de ti, tia, porque o meu fado agora é esse. O meu fado é gostar de ti e sentir o remorso de nunca to ter dito abertamente como disse outras coisas que mais valia ter calado. Olha por mim, tia, e nunca me deixes. Não me deixes mais do que já deixaste.

Nasceste no dia da Assunção e agora tu própria já subiste aos céus. O céu que tem as estrelas de que tu tanto gostavas e que agora tem também a estrela que eu tanto amo: tu, tia.


Sempre tu. Sempre, mesmo que já não haja memória. Sempre, até ao fim do fim, até a um novo começo. Sempre tu, tia. Prometo.


D vs C


Findo este longo silêncio que me foi imposto pela escassez de pensamentos contraditórios, volto com dúvidas, mas também com certezas. E o meu aparentemente feliz (fosse a felicidade tão ordinária...) estado de alma surge dessa dicotomia. Ter dúvidas é essencial. É uma forma de pensar até que a cabeça doa, evita a estagnação racional e, por vezes, ajuda-nos a melhorar a nossa expressão verbal, quando temos a benção de conhecer alguém que nos ouve ou discute connosco, enquanto procuramos pelo caminho certo. As certezas são as filhas predilectas das dúvidas. Das dúvidas podem nascer erros, podem surgir mal-entendidos e, consoante as responsabilidades que nos são imputadas, até vidas podem ressentir-se delas. No entanto, no meio de todos estes filhos cáusticos da dúvida, vive a certeza, que muitas vezes se confunde com os irmãos, mas que, mal a reconhecemos, deixa-nos melhores, mais fortes e seguros, perfeitamente conscientes da nossa índole. Se não lhe dermos mais importância do que ela merece, a certeza é a melhor amiga do mundo, é tónico, é bálsamo, é alimento, é combustível!

Hoje tenho dúvidas, mas também tenho certezas. Creio estar a descobrir um mundo novo, pelo menos a julgar pela vontade fremente que tenho em oficializar este compromisso, que se poderá transformar num grande amor e que, acima de tudo, poderá fazer muito por mim, pelo meu intelecto e pelas minhas paixões latentes.

Vamos ver.

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Não quero cair no erro de pensar que sou diferente, que tenho comigo uma estrelinha qualquer e que, por isso, existe alguma coisa, algures, cuidadosamente guardada para mim. Não quero que a cabeça me fuja, não quero deixar de parte a objectividade para que não me transforme num peso inútil, que nem para contra-balanço serve.
Eu só não tenho culpa (terei?) de não ser de convencionalismos, de não dar assim tanta importância a títulos e graus académicos. Quero coragem, tremenda coragem! Quero desprendimento, daquele elástico, para saber sempre aonde devo voltar e onde é o meu lugar. Quero aventurar-me, quero tentar(-me). Quero dar voz aos anseios que tenho cá dentro , que já não são infantis nem próprios de crianças, mas que correm o risco de morrerem mesmo sem nunca terem nascido.
Deixai-os viver!

T .

Ainda é tão cedo para tu ires e já é tão tarde para eu dizer que te amo. Cuida sempre de mim como eu não fui capaz de cuidar de ti. Nunca te esqueças de mim que eu nisso vou honrar-te e hei-de trazer-te sempre comigo. Ou então, surpreende-me, dá-me uma lição e ensina-me que é até ao fim que se acredita, para que depois chegue um novo começo, uma nova oportunidade de dizer tudo o que antes se calou.

Ante-continuação


Lembrava-se perfeitamente da primeira vez em que os seus olhos a levaram até ele. Não conseguiria jamais apagar da sua memória aquele momento em que, originalmente na sua vida, sentira um interesse atrevido por alguém.
Eram ambos jovens. As idades eram próximas, ele contavam mais dois ou três anos que ela, quem sabe quatro. Porém, ela era mais velha. As tão faladas agruras da vida, às vezes mais extrapoladas que consumadas, tinham-na afectado sem piedade. Um lar desfeito, palavras cruéis para ouvidos desamparados, privações de toda a espécie. Mesmo assim, manteve-se firme na sua senda, não se aventurou por caminhos duvidosos nem preferiu atalhos. “Quem se mete em atalhos, mete-se trabalhos.” Dos trabalhos dos atalhos ela fugiu, do trabalho sem atalho não.
Estava sentada na mesa do café da moda a alimentar o único vício que o passado desastroso lhe deixara. Puxava umas baforadas de fumo de um cigarro, depois de outro e mais outro até dar cabo de meio maço, em dias piores de um inteiro. Foi quando num balançar de cabeça fortuito deu de caras com ele, o tal de quem todas as raparigas em idade de histeria hormonal falavam, o mesmo por quem suspiravam e, certamente, a personagem principal dos sonhos tórridos de muitos desses corpos angelicais habitados por almas libertinas.
Não era, de modo algum, a perfeição em forma de gente. Talvez até nem tivesse um rosto bonito, de feições harmoniosas. Tinha pele morena, cabelo escuro de corvo e estatura mediana, embora sólida. Era mais exótico que belo. Cativava com o olhar fundo, a cara de poucos amigos que mais parecia uma máscara daquelas que se usam quando se quer esconder a pureza dos sentimentos, a validade dos ideais, a integridade da conduta, mas que deixam sempre uma brecha que, mesmo ínfima, quase muda, diz mais que tudo o resto. Naquele instante, sem saber, ele apelou de forma irremediável aos sentidos dela. Também ela usava uma máscara, uma armadura, e deixou-a cair sem estrondo, mas com um alívio profundo. Esqueceu-se das promessas onde decidira nunca mais confiar em ninguém, esqueceu-se que tinha jurado conformar-se com a menor infelicidade, a felicidade possível.
Junto ao balcão ele preparava-se para queimar mais um cigarro. Na mesa ela esquecia. Esquecia-se de tudo o que tinha conhecido até àquele dia. Esqueceu-se da reserva, da timidez. Esqueceu-se até do isqueiro guardado com os cigarros e dos outros dois espalhados na mala quando puxou a cadeira para trás, ergueu o corpo e elevou o espírito, caminhou decidida até ao balcão de fórmica vermelha e disse, sem fraquejar: “Tens lume?”. Acendeu ele o isqueiro, acendeu-se nela a chama da paixão, que existe mesmo e não é lenda. É a única que queima sem lacerar e que, quando fere, é porque se apagou.

Julho2009

Sabia-o de cor.


Sabia-o de cor. De todos os homens que lhe tinham passado na vida, uns a correr, outros em velocidade de cruzeiro, aquele era o único que já não lhe escondia segredos. Pelo contrário, guardava-os com ela.
Não havia nenhuma expressão órfã, cada mudança nas feições dele fazia-a adivinhar o redemoinho que lhe arrasava o peito ou o torpor doce de quem está em paz com os outros, mas principalmente consigo. Em ninguém mais surgia aquela covinha no lado direito da face, que ia aumentando enquanto ele passava do sorriso à gargalhada. Se Deus lhe roubasse os olhos da cara, ela usaria os das mãos. De entre 1000 homens, ela acharia aquele que agora sabia seu, bastando para isso percorrer-lhe o peito, que era seu cofre, os braços, que eram seu forte. Ninguém mais tinha aquele tom, a pele de ninguém cheirava como a dele.
Nenhum homem é só corpo e mais admirável que saber de memória as linhas do corpo, é saber os traços da alma. E ela sabia os dele. Sabia o que o comovia, o que o afundava num estado de exasperação profunda. Sabia o que o acalmava, sabia o efeito que as palavras bonitas e sinceras tinham no seu génio e usava-as como tempero naquela receita em que ambos se envolviam, se misturavam, se apimentavam e salgavam sem que nunca passassem do ponto de rebuçado.
Ela sabia-o de cor, corpo e alma, o que é físico e o que é mais que isso. Sabia tudo e não tinha medo do que sabia, das sombras que repousavam inquietas debaixo do sol da sua vida. Sabia que o amava, a cada dia aprendia novas formas de amor e ele era o melhor professor. O melhor professor para a aluna mais aplicada. O melhor ouvinte para uma apaniguada da confissão. O melhor amigo para a cultora mais atenta da semente da amizade. O melhor amante para a mulher mais amável. A peça em falta para o puzzle por completar. O cigarro para o café, a framboesa para o chocolate, a água para o deserto, o pão para a fome!
Sabia-o de cor mesmo no dia em que ele partiu. Para sempre. Ele partiu e, porque ela só o sabia a ele, deixou-a sem saber nada de si.
Ficaram a ignorância, o vazio, a perdição. Não é nada que se saiba, é tudo o que não se quer, ou devia, sentir.

14 de Julho de 2009
Adriana de Ascensão Pereira

[...]


Faltam-me palavras e eu não sei onde as procurar. Até já desisti dessa demanda porque, muitas vezes, só podemos encontrar quem, o que quer ser descoberto. Não é que o tédio seja tão forte que me deixe vazia, não é que a euforia seja desmesurada e que, com tanta alegria, nem conheça forma de a descrever. Talvez seja mais a apatia de ter tudo o que preciso, não tendo quem queria. Talvez sejam os dias de férias sem agenda, à espera da vontade súbita de devorar livros, do convite a que quero fugir ou da mensagem que não chega e que me desespera. Quem sabe não é o cansaço do costumeiro “mais do mesmo”: os planos, as expectativas e os enredos escritos na minha ideia que nunca se cumprem, nunca se superam e nunca conseguem actores que os representem. Nisto não sou pelos monólogos; prefiro dividir o estrelato com alguém, sem competir ou invejar. É como se apenas eu tivesse passado no casting para esta peça. Pior, é como se esta peça, de tão corriqueira, apenas despertasse desprezo junto dos actores que eu, enquanto encenadora, acharia perfeitos para o papel de me acompanharem na gargalhada e no pranto, de me emprestarem o ombro quando a dor fosse muita, de me darem o beijo terno que salva da morte as princesas (e as não-princesas) malfadadas.
Faltando-me as palavras, não me falta que dizer. Pudera eu contar tudo e talvez o aperto passasse, talvez me encontrasse… ou talvez quebrasse o encanto da angústia de quem espera, e sabe, que a resposta e as palavras que faltam vão aparecer depois, quando bem o quiserem, quando assim o entenderem.

Hipoteca


Hipotecas não são só sobre casas, terrenos e frigoríficos. Também se hipotecam futuros. Eu hipotequei o meu quando me deixei levar pela preguiça e decidi não estudar um bocadinho mais que fosse de música. Se tivesse estudado, continuaria a gostar muito de engenheiros, mas certamente que não me juntaria a eles. Se tivesse aprendido algo mais, não precisava de exames e sim de pré-requisitos. Se me tivesse dedicado, não teria arregalado os olhos, que depois ficaram molhados, mal vi as atrocidades (para uma ignorante como eu, óbvio) pedidas na ESMAE.
Agora faltam-me conhecimentos porque antes me faltou coragem.

Ignorância


A ignorância é uma coisa... tramada, vá.
Não me refiro à minha possível ignorância sobre as matérias de Português e Matemática sobre as quais terei exames, mas àquela ignorância de andar aqui sem saber como é que as coisas evoluíram a partir do momento em que dissemos "Para mim chega!". Porque a verdade é que, mesmo bastando e mesmo tentando não ligar, há sempre um pedacito qualquer de mim que se enche de urticárias mal começo a extrapolar e a magicar sobre como é que estarão as coisas.

Sempre tive (e continuo a ter) muito medo de fazer figura de estúpida, de obtusa, de ser tipo corno chamuscado ("eu punha as mãos no fogo por fulaninho de tal!"), embora aqui não estejam em causa cornaduras e outras adornos do frontispício superior. (In)Felizmente que tenho um instinto danado! Podem-me chamar fantasiosa, muito imaginativa ou romanesca que eu aceito sem qualquer problema ou crise de identidade. Em muitos momentos é mesmo isso que eu sou. No entanto, isso não invalida as minhas razões para ser assim, muito menos compromete os indícios em que me baseei para começar o meu filmezito. Tem batido sempre tudo certo, tem dado sempre a letra com a careta. Sim, possivelmente com um número bastante menor de pormenores e acontecimentos, mas o cerne, o âmago, a essência... Bem, esses são mais certos que o Natal em Dezembro para os católicos deste mundo e para os que já estão no outro.

No fundo, os meus filmezitos são a minha arma contra esta ignorância forçada de não querer mesmo saber, mas que, pudesse eu, me faria arrancar uns quantos de olhos para saber de tudo, ipsis verbis, tim tim por tim tim. Quando me sinto ignorante junto as pecinhas todas, analiso comportamentos porque de Psicologia e Sociologia percebo eu, lembro-me de frases estranhas, ponho tudo em contexto et voilá! Dias depois lá surge a confirmação e eu até posso ficar pelas ruas da amargura por causa daquilo que se atestou. Porém, há também aquela coisa de ter razão, (porque eu adoro ter razão!), de ver um raciocínio exímio ser ratificado da melhor maneira possível, ou seja, resultando numa conclusão verdadeira assente em premissas válidas e pouco ou nada falaciosas.

Posto termo à ignorância, é a partir daqui que se (me) coloca aquele dilema, que se resume logo numa frase impregnada de arrependimento, auto-comiseração e, por vezes, recalcamento: "Fogo (quando não for calão), mais me valia ter ficado na ignorância!".
E pronto.

Assim... variado.


1º - Há gente muito parvinha. Então são avisados e insistem no erro? Isso é quê, uma variante qualquer do masoquismo? Até já é caricato e, mais que isso, ridículo. O que vale é que sou eu que me rio.

2º - Pensando melhor, não sei se ria, se chore. Faltam dois dias para o fim das aulas, esquecendo os exames. Tantos hábitos, tantos vícios, tantas pessoas que se vão... Não fico triste, mas talvez seja porque tento nem me lembrar que vou deixar de ter os pequenos-almoços de segunda, as quintas na Brasileira, as tardes de ócio, as tiradas do Manu, a Raquel e a Beta a esperarem por mim ou eu por elas, os discursos do prof. Antero, os "tá bom? Hã?" da professora de Matemática, os testes de Português, os quilómetros e quilómetros a percorrer até chegar à casa de banho, mais uma série de coisas bonitas e outras nem tanto, mais um chorrilho de parvoíces e assuntos sérios... Eh pá, eu vou para a faculdade e estou cheia de medo.

3º - Eu achava que gostava de piano. Hoje, pá... Hoje já não sei.

Foste .

Foste e eu deixei, acho que pouco me importou e nem sei se sentirei a tua falta.
Quer minta, quer diga a verdade a mentir, foste e eu não te impedi, até te fiz saber que a porta da rua é a serventia da casa, não importa que casa seja essa.

Foste, mas um dia gostava que voltasses.

Da escola e das saudades


Tenho sido muito céptica em relação a saudades que poderia ou posso vir a ter das escolas que deixei ou vou deixar. Quando terminei o 9º ano fui obrigada a mudar de escola e em boa hora chegou essa contingência porque 5 anos já era mais do que eu podia aguentar. Conheci óptimas pessoas, os meus primeiros amigos a sério conheci-os lá. Tive professores bons e menos bons, em ambos os casos marcantes, e havia funcionárias tão queridas que até as tinha como avós! Passei pelos primeiros grandes apertos da vida de estudante, as provas globais que tanto transtorno me causaram, depois os exames, o começar a pensar em médias quando elas nem sequer interessavam... Tudo passou e posso dizer, com mérito e orgulho, que fui uma boa aluna, daquelas que deixam os papás orgulhosos e os professores descansados.

A verdade é que não tenho saudades desses tempos, nem da escola, nem das pessoas. Há momentos em que tento esconder este desprendimento, mas não consigo entender aquela altura, aquelas pessoas, aquele edifício como sendo mais do que uma fase. E as fases foram feitas para passarem, umas vezes para nosso gáudio, outras para nosso descontentamento.
Mesmo que goste de reencontrar amigos que trago na ideia e no coração com muito carinho e que conheci entre os 10 e os 14 anos, não sinto nada que se pareça a saudades. Talvez uma certa nostalgia, mas daquela banal, que temos por tudo o que já passou. Talvez um grande alívio, porque caramba!, aquilo já está feito. Saudades é que não.

Hoje dei por mim a pensar. Estou no 12º e frequento uma das escolas mais conhecidas do Porto, a mesma que foi, em tempos, uma das três mais prestigiadas do país. Pela escola que frequento, nos corredores por onde erro passaram muitos nomes sonantes da nossa praça. Gente brilhante, gente bem sucedida, gente exemplar, gente não tão conhecida e gente que me é chegada, mas todos alunos da escola da qual eu me estou quase a despedir.

Se gostei muito do 10º ano, vi no 11º um dos mais custosos de todo o meu percurso escolar, mas desde cedo estipulei que não ficaria naquela escola um ano a mais que fosse para além dos 3 necessários. Agora penso o mesmo, mas a frieza está morna e já sinto um quê de saudade dos corredores que a fazem parecer um hospital, da cor amarela que faz com que lhe chamem manicómio. A imponência, o desenho, as funcionalidades, os pormenores, o aconchego de uma escola que não tem nada que ver com aquele aglomerado de cubos que agora se constrói. Os recantos conhecidos e desconhecidos, os livros velhíssimos e riquíssimos, o cinema, a biblioteca que eu, oh sorte!, conheci apenas esta semana, as escadas para a sala de DGD, a ponte... Até os sinais de má criação e vandalismo tatuados nas paredes por alunos desinteressados ganham um novo sentido, como se fossem marcas que não estão em nós, mas que nos deixam qualquer coisa.

Se não fosse pelo edifício, que me deixa cheia de orgulho por ser tão bonito (mesmo estando decrépito, mas nada que bom senso e as consequentes obras não resolvam), era pelos professores. Não pelos alunos, excepção feita aos amigos que, estes sim, têm todas as chances de ficar para a vida. Alguns deles, pelo menos. Não pelos alunos, que a maior parte deles foi lá enfiada por alguém que não percebe nada de escolas nem respeita patrimónios. Deixemo-nos de eufemismos, a maior parte deles faz parte dessa espécie facilmente identificável e dificilmente erradicável: a gunada.

Pelos professores. Por eles, porque a minha escola tem, possivelmente, um dos corpos docentes mais experientes, competentes e ensinadores. Sim, ensinadores, porque estes são daqueles que ensinam e sabem fazê-lo e às vezes ainda colmatam as falhas que vêm de casa, são daqueles que tornam a profissão (mais) nobre por quererem preparar pessoas íntegras e não destituídos, quer mentais, profissionais, de regras... o que for. Tenho todo o respeito por cada um dos meus professores do secundário: por aqueles que, efectivamente, o foram e por todos os outros, que se calhar nem um exame meu vigiaram.

Todos eles, mais os funcionários e alguns alunos e o edifício, inspiração de artista, fazem do meu liceu o fogo que derrete o gelo no qual estavam envoltos os meus quês e achares sobre isto de deixar uma escola. Porque agora já não digo que não vou ter saudades, estaria a mentir com quantos dentes tenho na boca e mentir, neste caso, é o pior que se pode fazer.
Talvez nem todos a conheçam e eu até só tenha travado conhecimento com ela a um mês do fim, mas acho que a minha escola tem a sua mística. Ou então é isso, é a proximidade do fim, ou do novo começo, são os "Dias da Escola", os discursos de pessoas que me fazem admirá-las, enfim, é tudo isto que me deixa com vontade de conciliar a alteração e a constância, a mudança e a imutabilidade.

É que agora falta um mês e faltam alguns dias e nunca "um mês e alguns dias" soou a tanta fugacidade.