Lembrava-se perfeitamente da primeira vez em que os seus olhos a levaram até ele. Não conseguiria jamais apagar da sua memória aquele momento em que, originalmente na sua vida, sentira um interesse atrevido por alguém.
Eram ambos jovens. As idades eram próximas, ele contavam mais dois ou três anos que ela, quem sabe quatro. Porém, ela era mais velha. As tão faladas agruras da vida, às vezes mais extrapoladas que consumadas, tinham-na afectado sem piedade. Um lar desfeito, palavras cruéis para ouvidos desamparados, privações de toda a espécie. Mesmo assim, manteve-se firme na sua senda, não se aventurou por caminhos duvidosos nem preferiu atalhos. “Quem se mete em atalhos, mete-se trabalhos.” Dos trabalhos dos atalhos ela fugiu, do trabalho sem atalho não.
Estava sentada na mesa do café da moda a alimentar o único vício que o passado desastroso lhe deixara. Puxava umas baforadas de fumo de um cigarro, depois de outro e mais outro até dar cabo de meio maço, em dias piores de um inteiro. Foi quando num balançar de cabeça fortuito deu de caras com ele, o tal de quem todas as raparigas em idade de histeria hormonal falavam, o mesmo por quem suspiravam e, certamente, a personagem principal dos sonhos tórridos de muitos desses corpos angelicais habitados por almas libertinas.
Não era, de modo algum, a perfeição em forma de gente. Talvez até nem tivesse um rosto bonito, de feições harmoniosas. Tinha pele morena, cabelo escuro de corvo e estatura mediana, embora sólida. Era mais exótico que belo. Cativava com o olhar fundo, a cara de poucos amigos que mais parecia uma máscara daquelas que se usam quando se quer esconder a pureza dos sentimentos, a validade dos ideais, a integridade da conduta, mas que deixam sempre uma brecha que, mesmo ínfima, quase muda, diz mais que tudo o resto. Naquele instante, sem saber, ele apelou de forma irremediável aos sentidos dela. Também ela usava uma máscara, uma armadura, e deixou-a cair sem estrondo, mas com um alívio profundo. Esqueceu-se das promessas onde decidira nunca mais confiar em ninguém, esqueceu-se que tinha jurado conformar-se com a menor infelicidade, a felicidade possível.
Junto ao balcão ele preparava-se para queimar mais um cigarro. Na mesa ela esquecia. Esquecia-se de tudo o que tinha conhecido até àquele dia. Esqueceu-se da reserva, da timidez. Esqueceu-se até do isqueiro guardado com os cigarros e dos outros dois espalhados na mala quando puxou a cadeira para trás, ergueu o corpo e elevou o espírito, caminhou decidida até ao balcão de fórmica vermelha e disse, sem fraquejar: “Tens lume?”. Acendeu ele o isqueiro, acendeu-se nela a chama da paixão, que existe mesmo e não é lenda. É a única que queima sem lacerar e que, quando fere, é porque se apagou.
Eram ambos jovens. As idades eram próximas, ele contavam mais dois ou três anos que ela, quem sabe quatro. Porém, ela era mais velha. As tão faladas agruras da vida, às vezes mais extrapoladas que consumadas, tinham-na afectado sem piedade. Um lar desfeito, palavras cruéis para ouvidos desamparados, privações de toda a espécie. Mesmo assim, manteve-se firme na sua senda, não se aventurou por caminhos duvidosos nem preferiu atalhos. “Quem se mete em atalhos, mete-se trabalhos.” Dos trabalhos dos atalhos ela fugiu, do trabalho sem atalho não.
Estava sentada na mesa do café da moda a alimentar o único vício que o passado desastroso lhe deixara. Puxava umas baforadas de fumo de um cigarro, depois de outro e mais outro até dar cabo de meio maço, em dias piores de um inteiro. Foi quando num balançar de cabeça fortuito deu de caras com ele, o tal de quem todas as raparigas em idade de histeria hormonal falavam, o mesmo por quem suspiravam e, certamente, a personagem principal dos sonhos tórridos de muitos desses corpos angelicais habitados por almas libertinas.
Não era, de modo algum, a perfeição em forma de gente. Talvez até nem tivesse um rosto bonito, de feições harmoniosas. Tinha pele morena, cabelo escuro de corvo e estatura mediana, embora sólida. Era mais exótico que belo. Cativava com o olhar fundo, a cara de poucos amigos que mais parecia uma máscara daquelas que se usam quando se quer esconder a pureza dos sentimentos, a validade dos ideais, a integridade da conduta, mas que deixam sempre uma brecha que, mesmo ínfima, quase muda, diz mais que tudo o resto. Naquele instante, sem saber, ele apelou de forma irremediável aos sentidos dela. Também ela usava uma máscara, uma armadura, e deixou-a cair sem estrondo, mas com um alívio profundo. Esqueceu-se das promessas onde decidira nunca mais confiar em ninguém, esqueceu-se que tinha jurado conformar-se com a menor infelicidade, a felicidade possível.
Junto ao balcão ele preparava-se para queimar mais um cigarro. Na mesa ela esquecia. Esquecia-se de tudo o que tinha conhecido até àquele dia. Esqueceu-se da reserva, da timidez. Esqueceu-se até do isqueiro guardado com os cigarros e dos outros dois espalhados na mala quando puxou a cadeira para trás, ergueu o corpo e elevou o espírito, caminhou decidida até ao balcão de fórmica vermelha e disse, sem fraquejar: “Tens lume?”. Acendeu ele o isqueiro, acendeu-se nela a chama da paixão, que existe mesmo e não é lenda. É a única que queima sem lacerar e que, quando fere, é porque se apagou.
Julho2009
2 comentários:
Mais um grande texto da minha Didi...
Finalmente escreveste algo, já há muito tempo que não o fazias... Já tinha saudades...
A história que contas faz-me lembrar umas pessoas....
Espero que este texto tenha continuação e que seja para breve...
Um beijinho muito grande
Amoro-te minha Didi
Saudades
Gostei. Está uma obra de arte como todos os teus textos =)
Pena teres demorado tanto tempo a publica-lo, mas pronto.
Estás no meu coração meu amor =)
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