O Ponto e a Vírgula - II

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A vírgula achava que não fazia sentido se estivesse sozinha. Desejava sempre que antes e depois de si estivessem as suas amigas palavras, desde as mais humildes às mais caricatas. Admitia que embirrava um bocadinho mais do que a conta com o ‘e’, mas também era a primeira a assumir que, por vezes, precisava mesmo dele.
A vírgula, por si só, traduzia uma ideia de incompletude, ideia essa que arrastava outros ‘ins’ consigo: indefinição, insegurança, insatisfação… Oh, se não era assim! Quantas e quantas vezes escritores ávidos e insatisfeitos, ansiosos por deixar no papel todas as suas glórias e frustrações, os seus sentimentos mais fundos e as suas raivas mais superficiais, se serviam dela repetida e exaustivamente! Uma palavra VÍRGULA outra palavra VÍRGULA mais outra palavra VÍRGULA e mais outra palavra VÍRGULA até sabe-se lá bem, rondar o infinito! Mas, se a vírgula pensava que teria de estar sozinha ou que, a seguir a si, viria uma qualquer banalidade completamente desfasada do preciosismo anterior, ficava num pranto, muito encolhida e, durante uns tempos, quem quisesse escrever teria de dar asas à imaginação e conseguir uma forma de o fazer sem a vírgula. Foi assim que surgiram textos prolixos, ambivalentes e até famosas brincadeiras sobre testamentos!


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