Tenho sido muito céptica em relação a saudades que poderia ou posso vir a ter das escolas que deixei ou vou deixar. Quando terminei o 9º ano fui obrigada a mudar de escola e em boa hora chegou essa contingência porque 5 anos já era mais do que eu podia aguentar. Conheci óptimas pessoas, os meus primeiros amigos a sério conheci-os lá. Tive professores bons e menos bons, em ambos os casos marcantes, e havia funcionárias tão queridas que até as tinha como avós! Passei pelos primeiros grandes apertos da vida de estudante, as provas globais que tanto transtorno me causaram, depois os exames, o começar a pensar em médias quando elas nem sequer interessavam... Tudo passou e posso dizer, com mérito e orgulho, que fui uma boa aluna, daquelas que deixam os papás orgulhosos e os professores descansados.
A verdade é que não tenho saudades desses tempos, nem da escola, nem das pessoas. Há momentos em que tento esconder este desprendimento, mas não consigo entender aquela altura, aquelas pessoas, aquele edifício como sendo mais do que uma fase. E as fases foram feitas para passarem, umas vezes para nosso gáudio, outras para nosso descontentamento.
Mesmo que goste de reencontrar amigos que trago na ideia e no coração com muito carinho e que conheci entre os 10 e os 14 anos, não sinto nada que se pareça a saudades. Talvez uma certa nostalgia, mas daquela banal, que temos por tudo o que já passou. Talvez um grande alívio, porque caramba!, aquilo já está feito. Saudades é que não.
Hoje dei por mim a pensar. Estou no 12º e frequento uma das escolas mais conhecidas do Porto, a mesma que foi, em tempos, uma das três mais prestigiadas do país. Pela escola que frequento, nos corredores por onde erro passaram muitos nomes sonantes da nossa praça. Gente brilhante, gente bem sucedida, gente exemplar, gente não tão conhecida e gente que me é chegada, mas todos alunos da escola da qual eu me estou quase a despedir.
Se gostei muito do 10º ano, vi no 11º um dos mais custosos de todo o meu percurso escolar, mas desde cedo estipulei que não ficaria naquela escola um ano a mais que fosse para além dos 3 necessários. Agora penso o mesmo, mas a frieza está morna e já sinto um quê de saudade dos corredores que a fazem parecer um hospital, da cor amarela que faz com que lhe chamem manicómio. A imponência, o desenho, as funcionalidades, os pormenores, o aconchego de uma escola que não tem nada que ver com aquele aglomerado de cubos que agora se constrói. Os recantos conhecidos e desconhecidos, os livros velhíssimos e riquíssimos, o cinema, a biblioteca que eu, oh sorte!, conheci apenas esta semana, as escadas para a sala de DGD, a ponte... Até os sinais de má criação e vandalismo tatuados nas paredes por alunos desinteressados ganham um novo sentido, como se fossem marcas que não estão em nós, mas que nos deixam qualquer coisa.
Se não fosse pelo edifício, que me deixa cheia de orgulho por ser tão bonito (mesmo estando decrépito, mas nada que bom senso e as consequentes obras não resolvam), era pelos professores. Não pelos alunos, excepção feita aos amigos que, estes sim, têm todas as chances de ficar para a vida. Alguns deles, pelo menos. Não pelos alunos, que a maior parte deles foi lá enfiada por alguém que não percebe nada de escolas nem respeita patrimónios. Deixemo-nos de eufemismos, a maior parte deles faz parte dessa espécie facilmente identificável e dificilmente erradicável: a gunada.
Pelos professores. Por eles, porque a minha escola tem, possivelmente, um dos corpos docentes mais experientes, competentes e ensinadores. Sim, ensinadores, porque estes são daqueles que ensinam e sabem fazê-lo e às vezes ainda colmatam as falhas que vêm de casa, são daqueles que tornam a profissão (mais) nobre por quererem preparar pessoas íntegras e não destituídos, quer mentais, profissionais, de regras... o que for. Tenho todo o respeito por cada um dos meus professores do secundário: por aqueles que, efectivamente, o foram e por todos os outros, que se calhar nem um exame meu vigiaram.
Todos eles, mais os funcionários e alguns alunos e o edifício, inspiração de artista, fazem do meu liceu o fogo que derrete o gelo no qual estavam envoltos os meus quês e achares sobre isto de deixar uma escola. Porque agora já não digo que não vou ter saudades, estaria a mentir com quantos dentes tenho na boca e mentir, neste caso, é o pior que se pode fazer.
Talvez nem todos a conheçam e eu até só tenha travado conhecimento com ela a um mês do fim, mas acho que a minha escola tem a sua mística. Ou então é isso, é a proximidade do fim, ou do novo começo, são os "Dias da Escola", os discursos de pessoas que me fazem admirá-las, enfim, é tudo isto que me deixa com vontade de conciliar a alteração e a constância, a mudança e a imutabilidade.
É que agora falta um mês e faltam alguns dias e nunca "um mês e alguns dias" soou a tanta fugacidade.